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domingo, 4 de abril de 2010

JOSÉ LUÍS PEIXOTO - Cemitério de Pianos




José Luís Peixoto oferece-nos um texto mágico, no qual se cruzam, numa interacção fluida, diálogos cúmplices com a grande tradição da literatura portuguesa e universal.
Um romance que começa com uma narrativa simples e linear mas que aos poucos se torna cada vez mais complexa, resultado de um puzzle de imensos pedaços de texto em que cada um foca uma determinada situação temporal que é por sua vez relatada por personagens distintos, num encadeamento de saltos cronológicos para trás e para a frente, onde a história de um dos personagens principais e aparente autor/narrador do livro se confunde com a história do seu neto, estando a base do romance centrada na história do seu filho Francisco Lázaro, corredor da maratona dos Jogos Olímpicos de 1912 (onde falece no decorrer da mesma), e dos seus outros três filhos, Marta, Maria e Simão. O leitor fica preso a um enredo onde constantemente se questiona se determinado personagem se trata do avô ou do neto, encontrando um nó cego com provas de ambas as condições sem que tais se contradigam de forma absoluta, estando a chave do labirinto narrativo na oficina da família que alberga um cemitério de pianos que constantemente são usados para reparação e reconstrução de outros pianos, metáfora que dá corpo a uma história de três gerações onde todos os personagens se reconstroem uns nos outros, e onde cada um dá uma perspectiva diferente da sua própria história, sendo denominador comum os amores idealizados e as frustrações concretizadas, num misto de ternos momentos de felicidade e tragédias cruéis, símbolos de vidas comuns com um quotidiano monótono mas onde as expectativas e realizações de cada um lhe dão cores vivas e diferentes, matizadas de forma poética pelo escritor deste romance.

Misturando factos a partir de pontos de vista de cada personagem com alguns momentos de fantasia e irrealidade, o relato de um morto acerca dos momentos de antes e de depois da sua morte, dos relatos de vida do seu filho também morto até ao momento da sua morte, as sentenças duras da neta de três anos em dois diálogos adultos com o espírito do avô, colocando em perspectiva a idílica visão do avô acerca da sua vida e a contrastante dura visão que os seus familiares tinham acerca dele. Com violentos e duros momentos que marcam a vida dos seus filhos, sobressaem os eternos laços de sentimentos que os unem e que geram momentos aparentemente vulgares mas plenos de significação emotiva que adjectivam e dão sentido às suas aparentemente vazias existências.

O livro deixa o leitor em suspenso e curioso até ao seu final devido aos constantes episódios partidos que pedem continuação e fecho, oferecendo momentos de morte que coincidem com momentos de nascimento, histórias de amor, de desilusão, de traições, de ambições e de acomodação, em pequenas peças que se vão montando de forma difusa e labiríntica, juntando-se num todo tornado consistente até final do livro, numa orquestração subtil e bem encadeada que não alcança mais que aquilo que promete de início, consolidando uma talvez triste história de vidas desperdiçadas, mas que comove e deixa uma ideia de vidas realizadas com muitos momentos de terna eternidade completados com a esperança do devir que afinal sempre repete.


Como nota de rodapé, o interessante trabalho biográfico efectuado em torno da pessoa real que foi o atleta Francisco Lázaro, e da temática dos pianos e da sua sonoridade como alicerces de uma analogia entre as os delicados mecanismos físicos e a beleza pura do som que se pode obter deles, com a fragilidade e diversidade de sentimentos e sensações do ser humano, reparáveis e reconstruíveis.
JOSÉ LUÍS PEIXOTO - Biografia
Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas (variante Inglês e Alemão), pela Universidade Nova de Lisboa, foi professor em vários pontos do país e em Cabo Verde.

Actualmen
te trabalha como jornalista e crítico literário em vários jornais e tem colaborado, com textos de ficção, em revistas literárias. Entre outros textos seus que têm sido encenados, fez o guião para um vídeo do músico rap Sam the Kid e o libreto para uma ópera para crianças baseada no mito de Orpheu e Eurídice, encenada pela companhia teatral Útero.

Começou a publicar prosa e poesia no suplemento «DN Jovem», do jornal Diário de Notícias, tendo sido vencedor do Prémio Jovens Criadores do Instituto Português da Juventude em 1997, 1998 e 2000. Alguns desses poemas foram publicados posteriormente nos cadernos Átis e reunidos no volume A criança em ruínas (2001).

Nenhum olhar, publicado no ano 2000, o primeiro romance de José Luís Peixoto, foi imediatamente saudado como uma grande obra de estreia: venceu o Prémio Literário José Saramago e foi seleccionado para dois dos mais conceituados prémios literários: o Grande Prémio de Romance e Novela da A.P.E. e o Prémio de Ficção do PEN Clube Português. Blank gaze (na tradução inglesa) foi incluído na lista dos melhores livros de ficção publicados no Reino Unido em 2007 do jornal britânico Financial Times.

Está publicado em mais de dez línguas.

3 comentários:

  1. Olá,Francisco.Bom te ver fora do Olhares.
    Adorei o blog e esse autor é fantástico,apesar de não o conhecer,mas gostar do que escreve.

    "fingir que está tudo bem: o corpo rasgado e vestido
    com roupa passada a ferro, rastos de chamas dentro
    do corpo, gritos desesperados sob as conversas: fingir
    que está tudo bem: olhas-me e só tu sabes"

    Beijos...ah,vou seguir-te por aqui também.Beijos

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  2. Muito bom este site Francisco,Sinceros Parabens por este espaço onde nos das conhecer outra forma de arte.mais uma vez sinceros Parabens eé sem duvida um local para vir visitar com regularidade.
    um Grande Abraço
    vitor tripologos

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  3. Parabéns Francisco, sem dúvida um espaço para rever atentamente, com certeza que o vou seguir.
    Um abraço

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